Pensamento, crítica e criação em galego-português
Çopyright 40
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30 Maio 1997 | http://www.udc.es/dep/lx/cac/sopirrait | Corunha - Galiza |
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Çopyright recolhe aqui os textos lidos nesse acto, simbólico mas real, na ordem apresentada. Ficamos agradecidos aos autores e à ANOC por permitir-nos a sua difusão.
Celso Alvarez Cáccamo, Um panfleto Miguel Anxo Fernán-Vello, Três poemas Pedro-Milhám Casteleiro, Três poemas Igor Lugris, Três poemas Luís Maçãs, Um panfleto e três poemas |
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Um panfleto
Ainda que poda parecer excessivo, é um grande motivo de honra e satisfação para mim ter sido convidado a este acto contra a barbárie, a este espaço reduzido, minoritário como é sempre o espaço social onde começam as verdades. Convidou-se-me a ler poesia ou outra cousa, e eu escolhim outra cousa porque para mim na actualidade só existem duas formas literárias úteis para a emancipação humana: a poesia e o panfleto. Este texto quer ser um panfleto. Só lamento que não esteja impresso em borrenta letra azul de multicopista fatigada, lamento que não circule de mão em mão nervosa pola obscuridade das ruelas interiores, e lamento não ter medo de ser detido agora polo exército, porque as palavras que aqui dizemos são clandestinas e mereceriam ser tratadas como tais. A liberdade real não consiste em poder dizer o que queremos: a verdadeira liberdade consiste em não ter já necessidade de dizê-lo. Tenho a sorte de não ter ido nunca à tropa. Jamais na minha vida toquei um fuzil nem pudem superar a minha repugnância assombrosa pola cor dos uniformes. A única vez que fum de caça a matar cousas eu tinha sete anos. Ia com um tio meu e um irmão maior; eu levava uma escopeta de balins que errou sempre. O meu irmão matou dous tristes birulicos que logo nem comemos, e durante muitas horas depois sentim uma espécie de oco na cabeça, como uma pergunta essencial, humana, libertária, sobre a inutilidade dessas mortes. Um panfleto por dous birulicos!, podedes pensar. Mas a morte inútil de dous pássaros é o começo da barbárie. O exército começa na violência inútil contra dous pássaros, na labaçada injusta de um pai a uma criança. O exército começa na ordem militar das famílias, no imperativo urgente dum homem que chega escravizado, e logo o exército cresce dentro de nós, como uma geometria inapelável, e estende-se às parelhas, ao domínio sexual, à violação, às discussões autoritárias, o exército estende-se ao trabalho onde reproduzimos uma jerarquia celestial, às aulas das universidades, às Monarquias, a Deus, último General de Generales. E logo, quando já o exército inça quotidianamente a alma e o cérebro, quando já assassinou a utopia com que nascemos e que algum dia havemos recobrar, então é singelo dar-lhe um uniforme, vesti-lo de verde, pôr-lhe um nome e um adjectivo, e acolhê-lo entre nós como se fosse natural e não uma trama dos poderosos e a consciência para impedir a liberdade. O exército não é só a instituição mais repugnante jamais criada no planeta: o exército é uma atitude, uma cultura, uma maneira de destruir as cousas. O grau de sofisticação dos instrumentos de destruição e morte é algo tão horrível que só nos pode levar a duvidar do sentido do universo. Hai armas que estragam desde dentro, deixando cavidades irreparáveis na epiderme. Hai armas de metal pequeno que furam os caminhos harmónicos do corpo e rebotam deixando ao sair ronseis vermelhos e retalhos de carne. Hai armas que estouram ao pisá-las, sementando de orgãos sanguinhentos as areias naturais. Hai armas que matam lentamente: na sua agonia atómica, o corpo perde a pele e os cabelos e acaba a vida entre vómitos vazios, impotentes. Hai armas que matam muitos anos depois, de cancro e de cegueira. Hai armas que deixam mapas queimados na pele, como macabras metáforas dos territórios ocupados: a Beira Oeste, a Faixa de Gaza, Irlanda. Hai armas que asfixiam e armas que desmembram. E hai armas que assassinam legalmente nas câmaras esterilizadas dos presídios, armas que electrocutam com consenso, armas policiais que derrubam sujos ladrões urbanos na cumplicidade da noite, armas conjugais que deixam uma mulher dessangrando-se nos labirintos grassos da cozinha, armas de álcool legitimado, armas de poderosas seringas, armas de palavras que insultam aos que falam ou escrevem diferente, armas anatómicas que violam meninhas de dous anos, armas de tinta que assinam execuções, suspensos, masculinas leis injustas. Contra esta barbárie, contra esta épica da morte só cumpre a insubmissão activa. A insubmissão não é um acto político: é uma atitude, uma necessidade, uma aposta pola utopia que querem esmagar porque lhes dá medo. Porque dá medo imaginar um lugar e abraço comum onde perdamos a noção do ser e da história e onde sejamos apenas a extensão humana do azar, outra forma da matéria, cada um na sua carne e tocando a dos outros, no território sem poder que levará sempre a espécie humana na inteligência. A insubmissão é mais do que uma náusea por matar: e a necessária revolta contra esta epopéia de miséria. Poderão desaparecer as castas militares. Poderemos aprender a controlar-nos mutuamente, sem pistolas, no consenso democrático. Poderemos fingir que chegámos já ao limite da igualdade. Mas, enquanto existam os presídios, as favelas, os bairros crematórios de que fala o meu amigo João Valeiro, enquanto exista uma fronteira real, uma bandeira de doze estrelas circulares, uma mulher maltratada com punhadas ou escárnio, existirá o exército, a falsa geometria masculina. Este texto quixo ser um panfleto. Só lamento que não esteja escrito em precária tinta azul de velho ciclostil. Mas não quixo ser um panfleto contra eles, os Alheios que nos miram: este texto quixo ser um panfleto contra o militar que cada um de nós levamos dentro. |
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Três poemas
In memoriam Antón Avilés de Taramancos
Levávamos cem noites aguardando entre a névoa.
Nada se adivinhava no coração prendido
Levávamos cem noites de paciência infinita,
Estávamos unidos por uma velha
força, O inimigo é um inferno que nos invade a alma.
Sabíamos que um dia chegaria num lóstrego
Filhos da terra húmida, país dos dez mil rios, as névoas rompem na manhã dura e solar e brilha a pedra formosa do sul. Sobe o sabor enraizado das vinhas até o lábio dos frutos brancos do meio-dia. Canta o ferro e a pedra nos talheres abertos ao céu. Filhos da terra azeda, país dos jazimentos e das indústrias lentas do crepúsculo, um volume de sombras na hora baixa do sílex e no verdor escuro das aldeias. Cheira o pão amassado a vento quente e nas bisbarras do linho e do centeio luze o sol toda a glória do dia. Filhos da terra amada, país entre água e fogo, todo o mar frente às alvas e o amor que floresce na estação das palavras. Há um povo de luz, uma saúde anchíssima de argila, estrela firme. Há um signo fecundo nos astros que move o coração atado ao universo. Filhos da hora rosácea ou templo de paciência infinita.
Os que sonham uma pátria de árvores antigas
Os que têm o mar prendido nos seus
olhos
Os que cantam na hora central dos dias
Os que procuram a suave direcção dos menceres
Os que sabem na altura da memória
Contra a dor ancorada no remoinho escuro do tempo, |
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Três poemas de O Círculo Escarlate
País central.
Fontes, quietas; montes, precipitados no azul, Coração Astros Luar central.
Tenho mãos: são as conciliadoras
Houvo um tempo em que podíamos obter
Não permaneçamos mais tempo dentro dos círculos
Penetremos onde as pirâmides invertidas, provemos |
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Três poemas
E o principal
Quero escrever na tua pele
Quero sair às ruas do teu corpo
Quero ser militante dos teus peitos subversivos
A minha língua quero na tua boca
Defenderei |
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Um panfleto e três poemas
Este recital supõe um acto de apoio a todas aquelas pessoas que por se negarem a cumprir o serviço militar ou a prestação social substitutória sofrem ou sofreram julgamentos e condenas. Vá a minha consideração a ANOC e a Galiza Insubmissa e a pessoas em concreto, nomeadamente a Manolo Rodrigues Castro, José António Lozano (Chíqui), Ramiro e Elias. Mas não esqueçamos que há uma questão básica: a da atitude vital de reagir contra todas as privações de liberdade que estamos a sofrer nesta sociedade viciada polo capital. A estratégia do poder unificador estende-se como uma rede por todos os recantos da nossa vida. Sofremos o seu discurso violento, esmagador, e adoptamo-lo como próprio, esquecendo talvez muitas das nossas qualidades humanas. E perante este facto só fica mudar de estratégia: a violência unicamente gera violência. A revolução interior na procura duma auto-libertação humaniza as nossas vidas cinzentas, enche de cores a nossa visão de lentes opacas e de polifonia, os sons monocordes e bakalaónicos que estamos diariamente a ouvir. Então surge a poesia para nada, para muito: com essa luz interior até a uma Alta Moral, até à realidade interna. Seremos livres, sem medo nem esperança, assim convertendo-nos em indivíduos perigosos para o estado repressor.
Experimentar novas sensações após o ressurgir
Eis a renovação de aqueles passos iniciados
Um velho operário passeia polo universo
Cinema de ontem Foolish pride
Água, água pura da chuva
Cai, cai como o amor
Vem aurora, vem; já tenho saudade
E assim evite cantar,
Uma música zíngara abre
Acordamos dum leito húmido de saudade
Voltar a nascer e que a paixão
Atravessaremos os pólos da terra,
Viajar pola geografia dos sonhos,
Estica o sangue da paixão
só -apenas- o tempo
é a tragédia clássica
é a flauta o instrumento |
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CASCO - Colectivo Antimilitarista de Redondela
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