(O)s cidadãos e cidadãs da ilha (...) semelham
dar bastante pouco crédito aos cantos de sereia que do estrangeiro
chegam com a sua consabida ladainha de aberturismos políticos, democracia
liberal, economia de mercado, pluri-partidismo e mais ismos ao uso.
Ao cabo, mal que bem, continuam a saber-se donos da Terra que
pisam. |
Cuba, entre o silêncio e a
esperança
Carlos Velasco
Souto
Quando em 1989/91 se veio abaixo o chamado
campo socialista, poucos eram os que davam um patacão pola
sobrevivência desta pequena ilha, longínqua e pobre. Não
contaram com a imensa criatividade e capacidade de adaptação
a situações difíceis deste povo, tão valeroso
e imaginativo como indisciplinado e protestón. Também
não contaram --e se quadra isto é menos desculpável--
com outros dous factores sem os quais resulta inexplicável uma
resistência tão insólita frente à adversidade:
por um lado, o facto de o socialismo cubano ser uma construção
inequivocamente autóctone e nacional, não o resultado de qualquer
imposição exterior, nomeadamente soviética; por outro,
o alto grau de consenso social no que se alicerça o regime
revolucionário, directamente vinculado ao estilo dos seus dirigentes,
situado nas antípodes do das opacas burocracias da Europa do
Leste.
Se o esbarrulhamento da U.R.S.S. e mais
o C.A.M.E. ocasionou uma perda do 70% da capacidade de compra do país
e uma queda em picado do nível de vida da população
cubana (até daquela situado a anos-luz por riba do dos restantes povos
latino-americanos), sumindo esta num estado de autêntica indigência
material, não é menos certo que esta catástrofe atingiu
a sociedade cubana em pleno processo de rectificação dos erros
cometidos nos anos anteriores. Daí que a sua capacidade de manobra
--ainda dentro do desastre-- fosse bastante maior que a duns cidadãos
soviéticos (ou europeus orientais) para os que o sistema socialista
carecia já de qualquer credibilidade. Para além disso, a
cúpula dirigente do país era consciente, desde meses atrás,
do que se lhe vinha enriba, o que explica o enérgico e decidido das
medidas implementadas para fazer frente à crise e garantir a
sobrevivência da Pátria, a Revolução e o
Socialismo. Ditas medidas, constitutivas da nova orientação
estratégica conhecida como Período especial em tempo de
paz foram as seguintes:
Este singular plano de ajuste à
cubana foi discutido amplamente antes de ser aplicado, participando nos
debates todos os sectores sócio-profissionais da ilha; e, o que é
mais importante, não supôs o feche de nem um só hospital
nem nenhuma escola, ao contrário do que vem sendo habitual nos
países do entorno, submissos seguidores das receitas do grande capital
transnacional.
Quanto aos resultados, há que dizer
que polo de agora foram modestos, ainda que esperançadores. A queda
espectacular do PIB foi atalhada desde finais do 1995, iniciando-se a partir
daí um crescimento, moderado mas apreçável (entorno
ao 2%), que pode ser superior nos anos vindoiros a medida que o
ré-ordenamento global da economia, previsto no plano de emergência,
se faça realidade. Desapareceram já os cortes ininterrompidos
do fluído eléctrico (os temíveis apagones), torna
a haver combustível para o transporte (noutrora paralisado) e a
dramática escassez de alimentos começa a ser ultrapassada
graças à introdução dos agro-mercados. Contudo,
a situação está ainda longe da normalização
procurada polas autoridades comunistas. Nas ruas da capital e outras cidades
que visitei recentemente, os rostos sérios da população
--em contraste com a desbordante alegria de outrora-- dão conta das
penalidades padecidas nos últimos tempos, assim como das incertezas
que pairam sobre o porvir, deixando transluzir por vezes um certo desalento.
A ineficiência laboral e mais a baixa produtividade --andaços
de sempre-- continuam a pejar a recuperação da economia. O
sector do açúcar, clave dessa mesma recuperação
não termina de despegar. A crise fez ré-aparecer
lacras extirpadas desde os primeiros tempos da Revolução, como
a prostituição. E para que falar das consequências do
inqualificável bloqueio económico, político e informativo
mantido polo governo ianque. O pior de tudo é que a abertura
económica ao exterior está a quebrar um dos principais sucessos
revolucionários: o igualitarismo social, ao provocar a
aparição de uma elite de novos ricos (embora mui
controlados polo poder revolucionário) e o conseguinte alargamento
da polaridade social.
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Muitos são, decerto, os desafios
que ainda aguardam ao sofrido povo cubano; entre eles --e não é
um dos menores-- o de seguir suportando a insidiosa campanha de calúnias
e isolamento informativo, além das desvergonhadas pressões
diplomáticas da mal chamada comunidade internacional.
No entanto, os cidadãos e cidadãs da ilha, preocupados por
assegurar para si a subsistência quotidiana (que nada tem a ver,
assim e todo, com a dramática miséria dos
democráticos países circundantes) e, isso sim, sem perderem
o seu aquel parcimonioso de sempre, semelham dar bastante pouco crédito
aos cantos de sereia que do estrangeiro chegam com a sua consabida ladainha
de aberturismos políticos, democracia liberal, economia de mercado,
pluri-partidismo e mais ismos ao uso. Ao cabo, mal que bem, continuam
a saber-se donos da Terra que pisam. E são mui conscientes de que
a real beneficiária de uma mudança radical no estado de cousas
não seria outra que a máfia gangsteril de Miami.
Entrementes, ali ao lado, no continente,
para os pobres e esbulhados continuará a haver esperança enquanto
a irmã Cuba subsista, enquanto o socialismo siga vivo na América
Latina. Não sou eu que o digo. São eles mesmos que o
dizem.
Galiza. Dezembro
de 1997.
80º aniversário da Revolução Socialista de
Outubro. |
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