Pensamento, crítica e criação em galego-português
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19 Abril 1997 | http://www.udc.es/dep/lx/cac/sopirrait | Corunha - Galiza |
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Luís Maçãs
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O pensamento poético é para mim o único com valor porque é o único interessado na Realidade que se nos apresenta num todo
e não parcelada
António Maria Lisboa
Das argumentações expostas polo autor tiramos semelhanças com outros poetas surrealistas
portugueses dos anos 50: António Maria Lisboa, Henrique Risques Pereira, Mário Cesariny de
Vasconcelos, Pedro Oom (2).
Ernesto Sampaio é consciente (veja-se o prólogo Antes de subir o pano) de perseguir com este
livro tudo o contrário das edições actuais. Os best-sellers enveredam ao caminho apressado da
produção em série. O escritor actual vê-se azafamado em produzir mais quantidade de obras, preencher
o seu curriculum vitae, à procura de maior promoção social dentro das elites intelectuais.
O poeta opera com uns interesses bem distintos, aparta-se das formas limitadas do seu tempo,
mergulhando-se no universo do desejo. Bem é certo que a atenção tão operativa para a análise
científica não tem validez para a criação poética. O racionalismo é deficiente em relação às necessidades ou objectivos superiores do homem. Impõe um controlo ao espírito. E um espírito dirigido fecha-se. O conhecimento poético só é possível mediante um espírito excessivamente aberto e absolutamente
disponível que se assista num desdobramento dialéctico do consciente e do inconsciente. A poesia e a
Pintura têm de ser um novo sentido físico a descobrir. Esta concepção da arte poética tem pouco a ver
com a tradicional dança sensual de palavras ligada ao pensamento racional que não vai para além do
plano referencial da língua.
Se optamos por dizer que a criação leva inserida uma investigação da linguagem, é evidente que
esta nova concepção da poesia exige um novo estado: o da hiperconsciência; onde as cousas, os
objectos, desligam-se para serem unidos num nível superior. E podemos dizer que existe claramente
um fio a ligar todas as cousas e que permite ao homem que deseja criar. Em qualquer processo criador
é precisa a solidão, o estado de equilíbrio da consciência que prolonga a lucidez da mais simples até à
mais complexa percepção. O poeta realiza uma verdadeira operação sacral à semelhança do homem
que ama, ao transformar-se ele próprio em comunicação. O autor nega-se a si próprio, nega a sua
particularidade em proveito da obra, e nega a particularidade dos leitores em proveito da leitura. Autor
e leitores transformam-se em comunicação.
Mas acontece que no artista, ainda que se liberte da sua condição particular e da sua responsabilidade moral ou histórica, às vezes ficam dentro dele outras partes que lhe assaltam o espírito reduzindo-o a uma dualidade. Temos então imitação do amor, estética. O artista quer ser amado e compreendido.
Daí o estado de lógica artística, da simplicidade da grande parte da arte contemporânea. Contra esta
lógica insurge a soberania do homem na procura de uma expressão de libertação total do pensamento,
da concreção do espaço poético. Então o poema surge como um acto livre, aberto às determinações do
tempo e da natureza.
Na última secção do livro Para uma cultura fascinante, expõe que quando o homem tenta
romper a particularidade dos seus limites transforma a sua vida numa angustiada insatisfação. Há nele
uma força de morte que gera a vida. É a contradição que gera a afirmação; morrer de vida
metamorfoseando-se em espírito que é revelação do ser. A poesia não é escolha, é necessidade, ou é
essencial ou não é nada.
E é esta a única poesia referida ao real, a única com qualidade iniciática. Assim o espírito, que
participa da realidade principal, transforma o pensamento em desejo e o desejo em memória, que é
transmitida cronologicamente na história pola tradição.
O homem afastou-se do dinamismo natural que as altas tradições e as civilizações arcaicas
reflectiam. Houve um tempo em que a cultura era queimar as formas para ganhar a vida (Antonin
Artaud). Este não é o nosso tempo, é dos mortos. É também do conhecimento (empírico), oposto à
criação. Criar é razão de ser, é estruturalmente destruir, aniquilar a história individual e colectiva. Só a
tradição iniciática contém orgânica e intelectualmente a ideia da pessoa interior.
O artista converte-se num iniciado que, através da criação, apaga a sua realidade individual,
desmaterializa-a e funde-a interiormente com a realidade essencial. As suas obras não resultam de
razões estéticas mas de leis cósmicas e divinas que ultrapassam o formal. Eis uma beleza que consiste
na realidade interna. Esta transporta o homem para uma zona de Alta moral, onde o poeta deve
substituir o seu inconsciente particular polo colectivo. Têm de ir à procura de formas de comunicação
com os outros eus e assim medir absolutamente a veracidade da expressão do real no seu corpo.
(1) Ernesto Sampaio, Luz Central, Hiena editora, Lisboa, 1990, 2ª ed. (1ª ed. 1957).
(2) Remitimo-nos a A afixação proibida, texto assinado polos citados autores, que aparece recolhido
na obra Poesia de António Maria Lisboa (Assírio & Alvim, Lisboa, 1995). |
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