Pensamento, crítica e criação em galego-português
Pedro Diniz de Sousa
verão em Lisboa
nas esquinas do verão não há tempo para os dias
Onde é que está a poesia?
está
vem
Já feito, por fazer
já feito
_____
entre as dunas
entre as rochas
ouvir o sangue
entre penedos
colher no rosto
dar o olhar
em pleno campo
sentir o céu
entre os dias
Sem título
Deixai o vento prostrar-me o rosto
Abandonai-me na estrada que eu já galguei
Regar o mar
Vou recolher, vou pensar
Mãe
feche a porta
Homem
Sabes lá se o filho é teu
28.08.1989
que escorrem húmidos pela secura das noites
os nervos cedem às precoces madrugadas
no vão decurso tentamos encher o deserto
espraiado no coração da cidade como almas queimadas
no fim a árvore prometida repousará das tardes
de assédio quente feita um rosto aberto
e de vento absurdo serão os meus passos nocturnos
mas os gélidos músculos voam libertos por agosto
ao longe os ramos recortam o nevrálgico dizer
em que recolho ao ventre da hibernação faminta
17.janeiro.1990
no imediato tempo respirável
em que um alívio remoto se move e agita
os espaços inertes do nosso compromisso
dos lugares habitados por nós um dia
alheios à alucinação da nossa vida
e alheios à sua própria eternidade
21.maio.1990
por fazer
o gesto invisível
rasgado na luz
do deserto
beber o sumo
das raízes
entre a espuma
sucumbir
em sono lento
verter
sobre as vagas
explodindo
na montanha
dançar ao cheiro
do vento
a essência
de violência
das lilazes
à terra
perseguindo frutos
entretanto
correr ao sol
não sabendo
nadar
lá em baixo
onde as nuvens
não enganam
por contrato
com a chuva
acreditar
3.junho.1990
Deixai-o bafejar a minha angústia
Formai, ciclones, sobre fios de memória
Formai definitivas labaredas arrancando
O nó confundido que me tem às pessoas;
Elevai-me à beira do sentimento onde
Os anjos dormem sem tragar
Da morte nem da vida nem do sexo
Velozmente no carro prosseguindo as curvas
Dispostas para nos saciar a velocidade
De contentores oferecidos na noite de Natal;
Revogai-me a benção, sem deferência -
Tenho sono e não gosto de mim
Como se uma tempestade de areia chegasse do Sul
Não enxergo a terra e o céu é igual
10.abril.1992
Eu e as minhas disquetes
Com cem mil bytes estragados
Com as botas descoladas
O corpo preso aos lençois;
Aqui mesmo, com esta tinta,
Vou desvendar o mistério
Que impede o nosso amor
Vou trocar tudo por nada
Perder-me no teu atalho
E pegar na tua vida
Como quem rega o mar
3.maio.1992
e não diga a ninguém que eu estou a dormir
janeiro.1994
Çopyright 13:
O diário de Miguel Torga,
David Pujante
Çopyright 15: Uma particular defesa da poesia,
Luís Maçãs