Durante muito tempo
(tenho dificuldade em traduzir este tempo
em anos, meses, dias)
não tive memória propriamente dita
havia o presente (uma espécie de ponte flutuante)
e o futuro (uma espécie de nuvem)
Eu andava no presente com um futuro vagamente previsto
mas que na realidade não existe
O futuro é apenas o prolongamento esticado do presente
e o presente uma sucessão de momentos e de realidades e de
sonhos
Há pouco tempo (e continuo com esta minha dificuldade
em concretizar este tempo)
comecei a ter memória das coisas
Tudo começou em sonhos
uma espécie de filme sem música com pessoas e sequências
estranhas
Esse filme começou a sobrepor-se a pouco e pouco
Surgiu-me um passado no meio do presente
Esta experiência modificou em mim certos raciocínios
certas formas de ver as coisas
Pensei, eu não conhecia isto, eu flutuei por aqui
e não me lembro de ter cronometrado o tempo
esta realidade passou por mim sem deixar marcas
A memória é uma espécie de construção
e a própria realidade multiplica-se em mil e uma realidades
Agora posso recriar-me finalmente |