|
Çopyright pensamento, crítica e criação |
68 |
22 Jan. 1999 |
http://www.udc.es/dep/lx/cac/sopirrait |
Corunha |
|
Quando a lógica por fim se imponha sobre a História e desapareçam todas as fronteiras, alguém conservará ainda em antigos discos ou papeis as quatro palavras de Çopyright e de tantos outros lugares que resistem. Na lenteza duma tarde, no silêncio da cidade distinta, na segurança primitiva dum parque, sem urgência, já livre do trabalho como uma penitência, alguém escutará então fragmentos como este, testemunhos dum século de sangue, e tentará imaginar como era o mundo então e porque se reunia escassa gente em lugares quase clandestinos a promulgar o que chamavam poesia e a odiá-la. A figura escuta, lê e escuta. Uns minutos depois o sol já está a cair entre ramos de árvores que agora não poderíamos nomear. O vento de todo o dia continua, e o frio, esse animal eterno, obriga à figura que está mais calada a recolher-se para o interior da casa. A liberdade conseguiu para todas as pessoas um pôr-de-sol ainda mais vermelho, menos urgente, mais cíclico, como as sensações que definem o que é humano. A figura entra na morada sem chaves nem ferrolhos, abraça alguém, ou mais de alguém, passa brevemente a mão sobre a madeira polida dum móvel aquecido, sobe por fim ao faiado a deixar o disco antigo das quatro palavras entre as outras memórias de algum antepassado. Essa noite haverá abraços e conversas. Çopyright é apenas uma amostra. Antecipa uma ideia, uma distância. Há muitos outros lugares e pessoas que o antecipam, ao teu lado. É perfeitamente possível que o futuro não seja assim, mas por sobrevivência vale a pena imaginar.
Documentos Sonoros
#3
João Valeiro
I
invisíveis (sobre a evidência)
(Há tanta coisa que fazer, Meu Deus! José de Almada Negreiros, A cena do ódio
estes são os meus
poderes:
é o mundo veloz a
fugir por entre os dedos
e se acordo e não
estás
ou de como comecei a me aproximar do pensamento libertário
(sacralizações) 1 nas ruas perderemos a vida como já um dia perdémos a voz, as mãos, os olhos, a intuição do sexo, a capacidade de matar, o exercício da auto-defesa, nas ruas cantaremos a derrota que nos não salvou ainda que já sabíamos da sua própria impossibilidade, nas ruas, maré imensa de ódio, tenho-o dito um milhão de vezes sem achar resposta audível agora no vento que é o progredir nómada, fantasmas pelos desertos de pedra, talvez amanhã seja o dia da minha morte, talvez agora neste intre obscuro, apocalíptico quando me exercito na patética arte da escrita, na fugaz paixão do inominável, formulação ritual do que se sabe inútil
2
(lembranças de Peter Pan)
3 caminha o poeta pelas ruas da cidade, uns papéis na mão esquerda sabem qual é a condena: os olhos miram fora a balbuciarem a falácia da leitura. a rua é uma linha de fuga na cartografia do inferno.
4 abril, 1992 (os negros matam bons cidadãos nas ruas de Los Angeles... Ah! les revoltes logiques) um pouco de sangue entre os lençóis, as mãos oferecendo algumas lágrimas. na rua já queimam os livros, a arder, a arder, pequenas profecias, a arder a ciência insuportável: a sede de cavalgar e os tuaregues no matadouro, cadáveres na areia do centro da cidade, nós somos os homens azuis, silêncio no deserto, a arder luz do inferno, demasiado espaço ocupa o vazio, a arder pequeno oco sedente, lume de inferno, leito de virgens, a arder, a arder tristes cadáveres, na rua as cinzas serão pó a cavalgar no vento
5 nessa face branca está a luz da derrota que os deuses chamam loucura. nessa face branca, a face do meu cadáver, está o único aleph, o único Homero, as lágrimas de um Sísifo falaz, de um Narciso sem território, de um Poseidão afogado. Nas órbitas vazias onde antes havia olhos alguns peixes cegos vão criando um océano de sangue, e algum dia os seus filhos poderão ler o Evangelho, abrindo-se a carne com as suas facas, purificados por fim da cólera deste ermo de séculos. Quando não haja água. nesta face branca aninham as últimas aves e sabem do tempo que persegue a agonia. Jogo da lotaria perpétua. Mão falaz com dados. Uma folha de um livro, Ulíses, Hölderlin, Peter Pan entrando pelo oco de uma orelha, balbuciando com ódio não sei que canção: vivemos num horto fechado, deus foge cobarde pela boca sem dentes.
6 na destruição do Estado, ficará um espaço mínimo em que instalar a revolução. a festa durará um instante e então possuiremos obra. logo a nossa nuca terá por fim cor. cumpriremos o nosso rol na história da infámia. uma página menor. o nome de um cadáver.
não deve ser escrita de mulheres. não deve ser escrita de homens. não deve ser adulação nacional. não deve ser objecto de lição magistral. não deve ser galega
Quando corpo e imagem se interpenetram
tão fundamente, que toda a tensão revolucionária se
faz excitação corporal colectiva e todas as excitações
corporais do colectivo se fazem descárrega revolucionária,
então, e apenas então, ter-se-á superado a realidade
tanto e quanto o exige o Manifesto Comunista. Walter Benjamin, O superrealismo. A última instantánea da inteligência europeia. |
|