Factores sociolinguísticos no povoamento da ilha de São Vicente, CaboVerde

 

Dominika Swolkien

(Universidade de Coimbra)

 

 

A divisão do Crioulo Cabo-Verdiano (CCV) em dois grupos principais (Sotavento e Barlavento) é aceite por todos os cientistas que investigam nesta área. No entanto, a maioria dos investigadores tem-se concentrado nas variedades do Sotavento, especialmente na da ilha de Santiago, enquanto que pouca atenção tem sido dada às variedades do Barlavento, particularmente à variedade da ilha de São Vicente, ainda que as evidentes divergências entre esta última e o sistema linguístico de Santiago não tenham sido completamente ignoradas (cf. Soares Monteiro 1947, Almada 1961, Veiga 1982, Fanha 1987, Pereira 2000). Um consenso que explique as causas dessas diferenças não foi, porém, ainda alcançado. Será a causa a influência descrioulizadora do Português observada nos fenómenos de alternância de código, diglossia e bilinguismo? Representarão essas divergências simplesmente uma variação inerente à variedade de Santiago? Ou estará a explicação associada à época e ao padrão sociolinguístico da colonização inicial?

     Este estudo pretende dar resposta a estas questões. Na primeira parte, baseada em estudos recentes de sócio-historiadores e na minha análise de documentos relativos às primeiras décadas da colonização de São Vicente, apresentarei o primeiro panorama sociolinguístico deste período e as implicações para a génese da variedade aí falada, com particular ênfase no papel que a variedade de Santo Antão terá desempenhado na sua formação.

     Na segunda parte, apoiando-me nos testemunhos oitocentistas e nos dados estatísticos da primeira metade do séc. XX (escolaridade, composição racial etc.), procurarei demonstrar que, dado o limitado acesso da maioria dos habitantes ao Português padrão e a importância desde cedo do crioulo como símbolo da identidade local, são precisamente as primeiras décadas do povoamento que podem explicar a relativa proximidade da variedade de São Vicente com o Português não reestruturado, ainda que a descrioulização (especialmente entre falantes mais novos) seja um factor importante no conjunto das forças sociolinguísticas que formaram esta invulgar variedade que põe em causa muitas das asserções tradicionais da crioulística.

 

Palavras chave: Crioulo de Cabo Verde; Ilha de São Vicente; factores sociolinguísticos; reestruturação parcial; descrioulização.