A participação do contato entre línguas na formação do português popular do Brasil: Novas evidências empíricas

 

Dante Lucchesi

(Universidade Federal da Bahia/CNPq )

 

 

 

Os resultados empíricos de análises sociolingüísticas que recentemente se têm produzido sobre as comunidades rurais afro-brasileiras isoladas fornecem fortes evidências a favor da relevância dos processos de contato entre línguas para a formação histórica do português do Brasil. A polarização estéril entre aqueles que defendem que o contato entre línguas apenas acelerou a deriva secular da língua portuguesa no Brasil e os que vêem o português popular do Brasil como a continuação de um antigo crioulo de base lexical portuguesa só poderá ser superada com uma visão mais ampla das situações de contato entre línguas.

O conceito mais amplo de transmissão lingüística irregular engloba, tanto os casos típicos de crioulização, quanto as situações de contato entre línguas  que não produzem uma nova entidade lingüística qualitativamente distinta das línguas envolvidas na situação de contato que a gerou. No primeiro caso, a formação da língua crioula decorre da conjugação da eliminação da morfologia flexional e de partículas funcionais da gramática da língua alvo com a gramaticalização de itens lexicais para o preenchimento dessas lacunas estruturais. Nos casos de transmissão lingüística irregular mais leves, não ocorre a eliminação, mas a variação no uso da morfologia flexional e de partículas funcionais da língua alvo, de modo que os processos de gramaticalização são mais raros e periféricos.

Nesta exposição buscaremos demonstrar que as diversas variedades do português brasileiro, direta ou indiretamente, estão relacionadas historicamente a processos de transmissão lingüística irregular de tipo mais leve. Para tanto, apresentaremos resultados de análises sociolingüísticas de processos de variação/mudança específicos das comunidades rurais afro-brasileiras isoladas, bem como de processos de variação/mudança que perpassam todas as variedades lingüísticas do português brasileiro. Neste caso, a gradação que se observa no grau de variação oferece uma forte evidência empírica para a visão de que o quadro de variação lingüística que se observa no Brasil, sobretudo no que concerne aos mecanismos sintáticos da concordância nominal e verbal, está historicamente relacionado com o contato do português com as línguas africanas e indígenas.

 

Palavras-Chave: formação do português do Brasil; comunidades rurais afro-brasileiras; transmissão lingüística irregular; análise sociolingüística; concordância nominal e verbal