Português vernáculo do Brasil e Português vernáculo de Angola:
Restruturação
parcial vs. mudança linguística?
Liliana
Inverno
(Escola Superior de
Educação de Leiria)
Este artigo constitui uma tentativa de entender até que ponto os processos
sociais e linguísticos que levaram à formação do Português Vernáculo do Brasil
(PVB) e do Português Vernáculo em Angola (PVA) foram semelhantes. Começa com
uma análise de três características morfossintácticas cuja presença simultânea
no PVB e no PVA tem vindo a ser utilizada como prova de estas variedades terem
sofrido processos semelhantes de formação (Mello, Baxter, Holm and Megenney
1998; Laban 1982), nos quais a influência de substrato (Thomason and Kaufman
1988) parece ter tido um papel determinante.
Estas características são
as seguintes:
a) concordância
variável / Æ de número no
seio do Sintagma Nominal (SN)
PVB: ‘Boas tarde-Æ’ (Mello
1997:115) PVA: ‘tem
muitas mulher-Æ’ (Mendes
1985:149)
b) concordância
variável / Æ de género no
seio do SN
PVB: ‘esse gente’ (Mello 1997:119) PVA: ‘no mesmo barriga’ (Mendes 1985:149)
c) concordância
variável entre o sujeito e o verbo
PVB: ‘eu sabe fazer isso’ (Mello
1997:125) PVA: ‘eu gosta mesmo do
Pedro...’ (Laban 1982:64)
Apesar destas semelhanças
entre as duas variedades, defender-se-á que um completo entendimento da
natureza dos processos subjacentes à sua formação apenas poderá ser alcançada
através de uma comparação abrangente da situação sociolinguística nos dois
países no período pós-contacto com o Português, nomeadamente no que respeita à
abrangência da difusão e área de influência da língua portuguesa, a estrutura
das línguas de substrato envolvidas nestas situações de contacto, a sua
sobrevivência, o grau de desenraízamento dos falantes de substrato, o acesso à
língua alvo por parte dos aprendizes e os números relativos de falantes de
português como primeira ou segunda língua.
À luz desta comparação,
defender-se-á que apesar de o PVB e o PVA partilharem algumas características e
padrões de variabilidade importantes, uma comparação das situações
sociolinguísticas, passadas e presentes, dos dois países revela que, enquanto
que no Brazil estiveram reunidas, desde o primeiro período de colonização, as
condições necessárias para uma restruturação parcial do Português, o que
ocorreu em Angola foi a convergência de um empréstimo massivo para as línguas
de substrato e uma mudança posterior para o Português como uma das diversas primeiras
línguas dos falantes em Angola, particularmente nas áreas urbanas costeiras.
Palavras chave: Português Vernáculo do
Brasil; Português Vernáculo de Angola; Restruturação Parcial; Empréstimo
linguístico; Mudança linguística.